quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Deslumbrante vida


Dias desses, fato novo se deu. Segurando a pequena mão de um bebê de ano e meio, dando relutantemente seus primeiros passos, surpreendeu-me ouvir pela primeira sua frágil, mas enfática voz “Qué descê!”, ante um gigantesco degrau de dez centímetros. A experiência corriqueira para muitos, reacendeu em mim algo que jamais poderia permitir que se esvaísse: um encantamento genuíno e entusiástico pela vida!

Saudável o hábito daquele que se permite deslumbrar com o pequeno, o humilde, o simples e o corriqueiro. Feliz aquele que se alegra com um belo céu, uma brisa suave, um sorriso inesperado, um bom atendimento. Bem-aventurado o que contempla o esplendor no mínimo, e diagnostica a vibrante e excelente vida nas mais discretas manifestações ao seu redor.

E foi assim que aquela menina que há pouco sequer existia, subitamente se revelou um Ser, uma Palavra encarnada, um Sonho concreto, uma Ideia materializada, um Desejo realizado. E foi ao constatar isso naquela voz, naquele olhar e naqueles dedos apaixonantes que dependiam de minha mão, que me dei conta de que a vida é grande em ser pequena, e que o deslumbramento ante seus caprichosos detalhes, constitui atitude de soberana felicidade.

Crescer dói?


TOY STORY 3

Pretendo registrar aqui ideias que me surgem a partir de uma de minhas paixões: cinema. Inauguro a seção com uma obra prima: Toy Story 3. Pueril? Deixe-me convencê-lo.

Antes de mais nada começo a acreditar na infalibilidade dos estúdios Pixar. Impossível sair coisa ruim de mentes tão apaixonadas pelo seu ofício – e aqui já temos uma bela lição de como é fundamental buscar a excelência e de como ela é recompensadora (e não me refiro somente aos lucros astronômicos da série). Diferentemente da onda descerebrada que ronda Holywood nos últimos anos, produzindo a torto e a direito remakes, reboots e continuações, a Pixar dá um banho de originalidade produzindo continuações somente quando sabe que tem uma boa história pra contar, muito mais do que piadas fáceis e clichês para reproduzir.

Sobretudo porque assistir a um filme pixariano é uma experiência de vida. Minha primeira lembrança sobre Woody e Buz Lightyear não é boa. No auge de minha maturidade de 11 anos, fiquei revoltadíssimo quando as figurinhas que colecionava – Ping Pong Records Guinnes, jamais completas graças à “Monalisa”, o quadro mais caro do mundo que nunca se dignou a surgir envolvendo meu chiclete – foram substituídas por aqueles infames brinquedos de um “filmezinho de criança” qualquer. Bem, o tempo passou e a animação se consolidou como uma de minhas paixões – e como uma novidade no mercado cinematográfico outrora dominado pela Disney.

Com Toy Story 2, a paixão se firma e ao filme, devo ainda outra descoberta. A brilhante sacada de Zurg e Buz me fizera ficar aficionado por Star Wars, mas a piada não é tão óbvia e superficial. A referência à obra de George Lucas é mais interessante. A exaltação do western através dos outros bonecos da coleção de cowboys de Woody reflete claramente o momento em que o cinema na década de 1970 assiste à ascensão da ficção científica (tema já presente no primeiro filme, na substituição e tensão entre Woody e Buz). E Toy Story 2 se revela melhor que o anterior, apontando já a reflexão deste último filme. O pinguim barulhento, a história de abandono de Judie pela dona crescida, a crise de Woody: tudo antecipava o momento do esquecimento dos brinquedos, da substituição e desapego.

Este é o foco em Toy Story 3. E é maravilhoso rir das sacadas geniais acerca de Barbie e do “metrossexual de plástico”, do brinquedo shakespereano e da versatilidade do Senhor Cabeça de Batata. Mas o que é mais maravilhoso é se identificar com aquele personagem que amadurece (ou que é obrigado a amadurecer) para a vida.

Completei recentemente um ano de casado! Maravilha! Família é bênção, esposa é bênção, casamento é bênção! Mas crescer dói! Não é simples a decisão, as responsabilidades que são suas, os problemas que são seus. Como para Andy, chega para todos o momento de abandonar as coisas de menino e se aventurar pelo que está adiante. É bom?! Claro! Não troco meu casamento pela minha vida de solteiro por nada neste mundo. Mas algumas coisas que ficaram para trás deixam lembranças indeléveis e te fazem refletir acima de tudo, na efemeridade disso que chamamos de viver.

E se minha primeira impressão destes brinquedos à época do primeiro filme não foi nada boa, a última é extasiante. Pois se lá no início, ao querer ser grande, perdi boas coisas de menino, agora que grande sou, permito-me entrar em um cinema e verter grossas lágrimas por brinquedos virtuais, mas prenhes de uma humanidade tocante que me lembram que as melhores coisas da vida estão nas pessoas ao meu redor.