sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Tempo Novo


Em história aprendemos a amar o tempo. A forma caprichosa com que se deixa inelutavelmente caminhar, ora acelerando, ora retardando as mudanças, os processos, a vida. Sem tempo não há história, não há graça, não há...

Aprendemos também que o tempo é uma mera construção cultural. Chineses e muçulmanos comemoram anos novos em outras ocasiões, fazendo do 31 de dezembro uma data a mais de aproximação com o Ocidente gregoriano. Mas mesmo assim, ainda que tentasse, me obrigo a neste dia parar, pensar, medir, avaliar, ponderar e claro, planejar.

O que fui, o que sou, o que serei. As três dimensões temporais me ultrapassam. O que me importa mais? Meu passado que muitas vezes me incomoda, me envergonha ou quem sabe, me mostra como fui bom? Meu presente que me assalta sem pudores, me priva do descanso, me assoberba com as imediaticidades? Meu futuro, que se descortina pouco a pouco, nebuloso e sarcasticamente surpreendente?

Procuro fugir das trivialidades. As mensagens rotineiras de fim de ano muitas vezes me cansam pela demagogia e pieguice. Mas é bom saber que amanhã um novo ciclo irrompe, sem pedir licença ou permissão. Amanhã virá, não tenho dúvidas, e ainda que talvez não desejasse, novos compromissos, responsabilidades, temores, dores, alegrias, vitórias, medos, incertezas, descobertas, aventuras se acumularão e se apresentarão. Como vivê-las?

Bem, meu compromisso de fim de ano é viver. Não obliquamente, mas experiencialmente. Quero experimentar a vida, provar, testar, saber do que se trata, do que é feito, do que não é.

Quero experimentar as pessoas em suas diferenças, em suas falhas, em suas qualidades (que muitas vezes mostram as minhas falhas). Quero sorver o meio, o sol, a chuva, os odores. Quero lembrar que o tempo é antes de tudo uma invenção, uma criação divina, pois antes de fazer qualquer coisa, Deus criou o tempo para que as coisas fossem ancoradas em algo.

Quero que o tempo não me domine. Quero entrar no atemporal. Abandonar o chronos e entrar no kayrós. Não me importa o passado. Meu futuro a Deus pertence. Meu presente é um lapso, um efêmero vislumbre da eternidade.

E me ocorre que o bom do ano novo é perceber que adoramos ciclos. Iniciar, viver, encerrar. Como seria viver sem um ciclo, sem saber que haverá um fim, que um dia, queiramos ou não as coisas mudarão?

Entraremos em mais um ciclo, mais um ano. Que ao final dele, eu me sinta melhor, me abra pra balanço, pese os muitos “prós” em detrimento dos (espero) não tantos “contras”.

Que neste ciclo você se disponha, se anime, se perceba. Mas lembre-se: só há sentido quando o que fazemos tem um propósito. O meu? Viver de uma forma que me aproxime cada vez mais do tempo em que o tempo não fizer mais sentido.

Um comentário:

  1. Lindo texto.
    Também espero o tempo em que o tempo não mais terá sentido.

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