segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Copa do Mundo (não) é nossa


Brasil 3, Costa do Marfim, 1. Nossa superioridade ontem foi incontestável. Dentro do ônibus, começar a semana foi até mais fácil para alguns. Gol de mão do Luís Fabiano? E daí! Expulsão injusta do Kaká? Bem, pelo menos já estamos classificados. Mas deixemos nossa seleção, Dunga e sua delicadeza para lá. Não sei o que acontecerá nos próximos jogos, embora continue torcendo pelo Brasil. O que quero falar e que não tem passado despercebido nestes últimos dias – e nos últimos eventos esportivos em geral – é a ascensão de um novo padrão de competição que diz muita coisa.

Onde estão as onipotentes Alemanha, Itália, França (desastrosa), Espanha, Inglaterra? Que Copa é essa onde México, Paraguai e Nova Zelândia botam medo nas potências de outrora?

Sinceramente eu adoro o mundo contemporâneo. Numa era onde lamentavelmente quase tudo é “pós”, algumas mudanças são dignas de celebração. Há 30 anos pensar uma Copa do Mundo da Fifa no continente africano era surreal. Mais que isso. Falar sobre vuvuzelas e jabulanis, transformá-las em personagens centrais do evento e torcer absurdamente para que os times africanos se saiam bem são indicadores de uma mudança que poucos se dão conta.

Havia um tempo onde nossas mentes presas ao progresso e ao moderno nos obrigavam a absorver e celebrar tudo o que tinha o rótulo asséptico de “civilizado”. Por consequência, a Europa era a grande irradiadora de padrões, ideias, modelos e paradigmas.

Estive na Europa por duas vezes e posso garantir: não consegui encontrar nada que me auxiliasse a resolver problemas que vêm bater à porta da minha casa, ou que vejo pela TV. Solidão em um mundo cada vez mais conectado? Crise de identidade pelo excesso de opções e não pela ausência de oferta? Podemos esperar sentados por um paradigma que solucione a questão.

Gosto de pensar, como diz a presidenciável Marina Silva, que nos encontramos em uma encruzilhada civilizacional. Não apenas pelas questões ambientais que ela defende, mas acima de tudo pelos princípios éticos e morais contidos debaixo dessa ideia cada vez mais em evidência: responsabilidade. Responsabilidade com o Outro, com o diferente, com o que não tem, com a água que literalmente jogo pelo ralo, em desrespeito àquele que ainda nem existe.

Durante séculos a Europa exportou um padrão de “civilização” que ignorou todas as questões acima. O dedo na ferida dói. Não admira que estejam sem norte, sem rumo. “O que isso tem a ver comigo?”, você pode se perguntar. Ora: pense em como você lida com o seu sucesso perante o fracasso alheio, pense em como você racionaliza tudo e se esquece de que há algo que transcende esse mundo de matéria corruptível que você tanto procura possuir, pense em como você se posiciona ante a discriminação do negro ou do índio que ninguém vê porque invisível está pela hipocrisia, pense em como você come, bebe e dirige... pense em como você só pensa em você...

E a copa? Bem. A copa do mundo não é mais só nossa. Com ou sem hexa, celebraremos a exposição midiática do Outro, de Soweto, de vuvuzelas irritantemente ensurdecedoras e jabulanis de vida própria. Se algum dia fomos obrigados a imitar alguém, marginalizados que estávamos neste antigo mundo de centro e periferias, sejamos a celebração móvel, que pulveriza ordens anteriormente tão fixas. Há somente um ponto imutável...

Um comentário:

  1. Que bom ler você!
    É impressionante como o espetáculo futebolístico tem visibilidade, mas o melhor disso é perceber que NELES a NOSSA mudança se faz contínua e, cada vez mais, NECESSÁRIA.
    Me pego a pensar as vezes, será que - por torcida - sou "africano desde criança"???

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